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“O tempo tem passado tão rápido que eu já deixo a minha árvore de Natal montada no armário. É como se ele tivesse encurtado, ficado mais rápido. Tudo sugere velocidade, urgência. E eu, por mais que me divida, me multiplique em várias, não tenho tempo. Não tenho tempo para a demanda do meu trabalho, não tenho tempo de ler todos os livros e ver todos os filmes que me interessam. Não tenho tempo para atender todas as ligações, responder tantos e-mails e curtir as milhares de fotos. Não tenho tempo para dormir as horas que desejo e muito menos de estar ao lado daqueles que amo”.
É com o depoimento acima que o documentário brasileiro “Quanto tempo o tempo tem” começa. Ele mostra que nós conduzimos a vida de forma cada vez mais acelerada. De fato. Estamos sempre correndo, tendo ou não motivos para isso. Mesmo assim, parece que não somos rápidos o suficiente para acompanhar o ritmo do tempo. Quem não reclama de não dar conta do que quer ou precisa? Quem não gostaria de esticar o dia para fazer tudo com mais calma?
Temos a sensação de que mal um ano começa, já está terminando. Isso acontece porque não conseguimos fazer nossas tarefas e desejos caberem dentro do tempo. Nós o gastamos sem perceber, na tentativa de diminuir a montanha de compromissos não cumpridos à nossa espera. Mas ela só faz crescer, porque não paramos de receber informações, ofertas de cursos novos, convites irrecusáveis e infinitas possibilidades de entretenimento. Seduzidos por tudo isso, tratamos de encaixar um volume enorme de afazeres nas nossas agendas. É assim que o tempo passa sem que a gente veja.
Mesmo que no começo da pandemia os relógios tenham aparentado uma redução em seu ritmo, com a vida dentro de casa se tornando mais arrastada, é surpreendente como o ano já passou da metade. Afinal, como explicar essa contradição?
Pode não parecer para alguns de nós, mas as horas, os minutos e os segundos se moviam no passado na mesma velocidade que no presente. “O tempo absoluto, verdadeiro e matemático, por si mesmo e por sua própria natureza, flui igualmente sem relação com nada de externo, e com outro nome, é chamado de duração”, disse Isaac Newton séculos atrás. Então por que tantas pessoas sentem que ele tem andado mais rápido? E porque, em alguns momentos, ele parece estar parado?
Não é o tempo que fica mais curto. Ao contrário. A cada século, nossos dias se tornam 1,8 milissegundos mais longos. O que acontece é que a sensação de passagem do tempo reflete o que ocorre no nosso mundo interno. É o que explica a psicóloga Raquel Cocenas, pós-doutora em ciências na área de percepção do tempo e emoções pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da USP (Universidade de São Paulo).
Ou seja, é o que sentimos que nos faz ver o tempo voar ou se arrastar. E essa nossa visão particular envolve diferentes áreas cerebrais —como as relacionadas à emoção e à memória — além de vários neurotransmissores. “Não há uma área específica responsável pela passagem do tempo, mas uma combinação de várias áreas distintas que contribuem para a nossa noção de tempo”, explica Marcelo Salvador Caetano, professor de neurociência da UFABC (Universidade Federal do ABC) e pesquisador do INCT/ECCE (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia sobre Comportamento, Cognição e Ensino).
A verdade é que, na nossa rotina antes da pandemia, nos acostumamos a correr contra o tempo. Mas o preço a pagar por essa corrida sem descanso é alto. “Precisamos tomar cuidado com a síndrome da pressa. As pessoas sentem que não dão conta. E realmente, muitas vezes não dão porque querem fazer coisas além do que poderiam”, observa Mariângela Savoia, psicóloga do Programa de Transtornos de Ansiedade do Ipq HC-FMUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas e Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).
Manter esse ritmo frenético até não aguentar mais abre a porta para problemas emocionais como a ansiedade e a depressão. “A pessoa se sente incapaz, incompetente, pouco produtiva. Com a sensação de estar sempre devendo para todo mundo”, diz a especialista. Como não consegue atingir as metas impossíveis que impõe a si mesma, acaba reforçando essa mensagem e se cobra ainda mais. “Ela sente que precisa estar o tempo todo antenada porque senão alguém vai passar na frente dela e tomar o seu lugar”, diz Savoia.
Em tempos normais, a tecnologia é apontada como uma das responsáveis por engolir o nosso tempo é a forma como usamos a tecnologia, que preenche um espaço cada vez maior nas nossas agendas. “O constante bombardeio de estímulos visuais e auditivos captam a nossa atenção e a desfocam do tempo. Esse aumento do uso da tecnologia prejudica a nossa relação com o tempo e interfere em diversos aspectos de nossas vidas”, analisa Cocenas. E contribui para nos perdermos na administração diária do nosso tempo, já que mensagens e solicitações chegam aos nossos celulares, tablets e computadores sem parar.
Mas o inimigo não é a tecnologia. Somos nós mesmos, quando não conseguimos ter um equilíbrio entre o tempo que ficamos conectados e o que passamos longe das telas. Para compensar as horas perdidas no ambiente virtual, nos forçamos a ser mais ágeis nas outras tarefas. E assim nos tornamos uma geração de pessoas rápidas, mas nunca o suficiente. “Acabar com a tecnologia não é possível nem necessário. Mas tomar consciência de que podemos viver o momento presente com mais sossego é fundamental para a saúde mental”, alerta Lidia Weber, professora de psicologia da UFPR (Universidade Federal do Paraná).
Agora na pandemia, quem pode cumprir o isolamento social sentiu essa relação mudar um pouco. Algumas pessoas que trabalham em home office, por exemplo, se queixam de não estar dando conta do trabalho. E o problema não é falta de tempo. “É que ele ficou embaralhado com outras questões psicológicas. E essa relação [com o tempo] está intimamente ligada com todas as dúvidas da pandemia, medo, insegurança e vulnerabilidade. É como um simulacro de um estado de depressão”, destaca Weber. Muitos de nós estamos vivendo uma contradição. Por um lado, estamos quase na metade do ano e talvez não tenhamos produzido tanto quanto gostaríamos. Por outro, os dias demoram a passar. Ficamos horas seguidas vendo séries de televisão ou ocupados com outras distrações.
Essa mudança abrupta da rotina atinge em cheio a saúde psíquica. A nossa atenção já não é a mesma. Experimentamos emoções negativas e obsessivas. Pensamos sem parar nos acontecimentos ruins. As consequências disso? “Aumenta o estresse, a ansiedade, os pensamentos ruminantes e a predisposição para episódios depressivos”, enumera a psicóloga. O importante nesse momento, segundo ela, é não nos cobrarmos tanto.
A nossa percepção do tempo pode ser alterada por bebidas estimulantes como o café, pelo cigarro e por drogas ilícitas como a cocaína. Elas nos fazem ter a ilusão de que as horas estão correndo. Por outro lado, substâncias calmantes como a maconha desaceleram o nosso relógio interno. “O que acontece é que essas substâncias agem no cérebro modificando a quantidade de neurotransmissores como a dopamina, ou imitando seus efeitos. Há uma correlação direta entre a ação desses neurotransmissores e nossa percepção da passagem do tempo”, ensina Caetano.
Mas nada interfere tanto na percepção do tempo como as nossas emoções. Quando o relógio não anda em sintonia com o que estamos sentindo no momento, ele pode parecer apressado ou lento. “O tempo do relógio é o tempo cronológico, do social, do coletivo, que segue uma linearidade temporal marcada pelos segundos, minutos e horas. Já a experiência pessoal do tempo é elástica e diversos fatores podem influenciar e interagir nela”, esclarece Cocenas. Além de emoções, as nossas expectativas, a complexidade da tarefa a ser executada, a atenção ou distração também interferem na maneira como sentimos o tempo.
É por isso que quando nos acontecem coisas boas, temos a impressão de que o tempo passa rápido demais. Mas se vivemos um momento ruim —como a pandemia do novo coronavírus e o repentino isolamento social—, ele parece durar uma eternidade. Ambos despertam em nós reações diferentes. “Quando estamos nos divertindo, nos envolvemos nessas atividades e não prestamos atenção no horário em si. Isso faz com que o tempo voe. Já quando estamos em uma situação aversiva, desconfortável, não vemos a hora dela terminar e acabamos voltando nossa atenção ao relógio”, diferencia Caetano.
Sentir o tempo voar é uma sensação mais forte para algumas pessoas do que para outras. Antigamente, a ciência acreditava que o envelhecimento acentuava essa percepção. Mas essa certeza vem sendo contestada. Em um artigo publicado recentemente, os pesquisadores Sylvie Droit-Volet e John Wearden afirmam que experiência da passagem do tempo na vida cotidiana não tem a ver com a idade, mas com o estado emocional de cada um.
Não se pode negar que é comum pessoas mais velhas terem um dia a dia sem muitos acontecimentos, sem as novidades e experiências marcantes que costumam fazer parte do início da vida. Por não terem memórias novas, elas veem os anos passarem num piscar de olhos. Mas isso não é uma regra. Há idosos que têm uma vida dinâmica e jovens presos a uma rotina monótona. Independentemente da idade, uma boa dica para “alongar” os dias é apreciar as coisas simples, como prestar mais atenção nas pessoas, nas ruas, nas cores, nos cheiros, nos sabores em outros encantos do cotidiano que geralmente passam despercebidos.